Por NIAS entende-se qualquer substância que não tenha sido adicionada por uma razão técnica durante a fabricação da embalagem, seja na síntese química das matérias-primas, na fabricação, no transporte ou na reciclagem. Estas substâncias provêm de três fontes principais: reações secundárias, produtos de degradação ou contaminantes. Uma vez que estas substâncias são na sua maioria ‘desconhecidas’, a importância do conhecimento sobre os mecanismos de ocorrência, quantificação e controlo das NIAS é primordial.
Embora o Regulamento 10/2011(1) defina e estabeleça a obrigação do fabricante de realizar avaliações de risco para estas substâncias, e o Regulamento 1935/2004(2) (Regulamento Quadro) indique que qualquer material ou artigo destinado a entrar em contacto direto ou indireto com os alimentos deva ser fabricado de acordo com as Boas Práticas de Fabrico (BPF) para o efeito, de forma a, em condições normais ou previsíveis de utilização, não transferir substâncias para os alimentos em quantidades que possam representar um perigo para a saúde humana, não existe atualmente nenhum protocolo oficial ou legislativo das autoridades competentes (Comissão Europeia, Autoridade Europeia de Segurança Alimentar ou JRC) sobre a forma de efetuar a identificação e avaliação das NIAS. Na ausência de protocolos padronizados, os laboratórios contam com diretrizes desenvolvidas por grupos de trabalho (ILSI Europe(3), EuPIA(4) ou Istituto Italiano del Imballaggio) para realizar a avaliação das NIAS.
Neste sentido, e em geral, são estabelecidas as seguintes etapas para a avaliação das NIAS: identificação das substâncias, identificação da toxicidade das mesmas, grau de exposição e avaliação do risco associado à exposição a estas substâncias.
Depois de identificadas as NIAS, com recurso a técnicas cromatográficas, combinadas, por exemplo, com análise elementar e ressonância magnética nuclear (RNM), é necessário identificar e caracterizar a sua perigosidade. Esta pode ser identificada experimentalmente (in vivo ou in vitro) ou estimada com recurso a ferramentas in silico. Os resultados destes testes podem ser simples respostas de sim ou não (por exemplo, para a genotoxicidade) ou uma concentração de referência (por exemplo, Ingestão Diária Tolerável (TDI)).
Uma vez determinado o perigo de uma determinada substância, para determinar o risco associado, é necessário conhecer o grau de exposição a essa substância (risco = perigo x exposição). A estimativa de exposição é baseada em dados de migração e consumo. Os primeiros podem ser obtidos através de modelos de teste e/ou migração, enquanto os segundos podes ser obtidos a partir de modelos de exposição normalizados, por exemplo, aplicando uma relação superfície/volume de 6 dm2 por 1 kg de alimento (Regulamento 10/2011), com as limitações que a adoção desta relação implica, uma vez que pressupõe que o consumo do consumidor é o mesmo durante todos os dias da sua vida, independentemente do alimento embalado e do material utilizado para o conter. Outra abordagem para a determinação da exposição foi desenvolvida pelo projeto ‘Matrix’, que determinou limites genéricos de migração para certas substâncias em diferentes materiais plásticos, de forma a definir os níveis de interesse (Level of Interest, LOI). Na mesma linha, o projeto FACET (Flavourings, Additives and food Contact materials Exposure Task) desenvolveu uma ferramenta para estimar a exposição a produtos químicos presentes em alimentos e embalagens. Embora as NIAS não estejam incluídas na base de dados, podem ser correlacionadas com substâncias conhecidas, embora seja verdade que o sucesso do método depende em grande parte da informação disponível para a substância de interesse.
Como mencionado antes, o risco da exposição a uma determinada NIAS dependerá da sua perigosidade e do grau de exposição a essa substância. Com base nas Regras de Cramer, uma abordagem muito interessante que está a ser utilizada para realizar a avaliação de risco das NIAS em materiais em contato com alimentos é o termo Limiar de Preocupação Toxicológica (Threshold of Toxicological Concern, ou TTC). O conceito de TTC baseia-se no pressuposto de que existe um nível de exposição a uma determinada substância abaixo do qual não se espera que ocorra um risco significativo(5). Esta abordagem é mais realista do que outras em que a análise de risco é realizada apenas com NIAS superior a 10 µg/kg de alimento, um limite genérico que não se baseia em factos analíticos ou toxicológicos onde, além disso, uma menor concentração de NIAS não garante a ausência de preocupação.
Foram estabelecidos valores de TTC para substâncias com estrutura química semelhante e probabilidade de toxicidade com base em dados toxicológicos publicados (não substituindo a avaliação de risco das substâncias regulada, como é o caso de monómeros ou de aditivos plásticos). Os valores de TTC são os seguintes:
No entanto, existem alguns grupos de substâncias para os quais o valor de 0,15 µg/pessoa/dia é muito elevado e que, como tal, estão excluídos da abordagem TT, como é o caso das hidrazinas, dibenzofuranos, metais e organometálicos, esteróides, nanomateriais, etc.
Um aspeto relevante que também deve ser considerado é a possível toxicidade das misturas, mesmo a níveis muito baixos de TTC, devido à dificuldade em prever efeitos sinérgicos, antagónicos ou potenciadores entre os diferentes componentes, bem como a avaliação de substâncias a partir das quais não foi possível obter uma identificação correta da sua estrutura química, o que só poderia ser abordado através de um bioensaio.
Portanto, tendo em conta os esforços das autoridades para garantir cada vez mais a segurança alimentar das embalagens, e a investigação em diferentes áreas para ampliar os conhecimentos em técnicas analíticas, bases de dados de substâncias, etc., espera-se que, num futuro próximo, estejam disponíveis mais ferramentas e protocolos estandardizados para a avaliação das NIAS.
A Aimplas, em colaboração com os centros tecnológicos Ainia e Aiju, e ao abrigo de um programa de apoio da Comunidade Valenciana, está a trabalhar no desenvolvimento de uma metodologia para a avaliação das NIAS desde a sua identificação até à avaliação de riscos.
1 Regulamento (UE) n.º 10/2011 da Comissão, de 14 de janeiro de 2011, relativo aos materiais e objetos de plástico destinados a entrar em contacto com alimentos
2 Regulamento (CE) n.º 1935/2004 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 27 de outubro de 2004, relativo aos materiais e objetos destinados a entrar em contacto com alimentos
3 Guidance on Best Practices on the Risk Assessment of Non-Intentionally Added Substances (NIAS) in Food Contact Materials and Articles. 2015
4 EuPIA Guidance for Risk Assessment of Non-Intentionally Added Substances (NIAS) and Non-Listed Substances (NLS) in printing inks for food contact materials. 2017
5 Structure-based thresholds of toxicological concern (TTC): guidance for application to substances present at low levels in the diet, Kroes et al., Food and Chemical Toxicology 42 (2004) 65–83.
6 Guidance on Best Practices on the Risk Assessment of Non Intentionally Added Substances (NIAS) in Food Contact Materials and Articles, Koster et al., ILSI Europe Report Series. 2015;1-70.
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