Informação profissional para a indústria de plásticos portuguesa

"Se não arranjarmos mercado para os reciclados, podemos fazer a recolha que quisermos que as taxas de reciclagem não vão subir"

Entrevista com Ricardo Pereira, CEO da Sirplaste

Luísa Santos16/09/2020

Quando se fala de reciclagem de plásticos, a Sirplaste é uma das principais referências europeias. Fundada em 1974, a empresa de Porto de Mós especializou-se na reciclagem dos plásticos mais complicados (pós-consumo contaminado) e, graças a uma estratégia de permanente investimento, conseguiu equipar-se para fazer face à crise atual. Falámos com Ricardo Pereira, CEO da empresa e atual vice-presidente da Associação Portuguesa da Indústria de Plásticos (APIP), sobre os temas que inquietam este setor.

Ricardo Pereira, CEO da Sirplaste e vice-presidente da APIP
Ricardo Pereira, CEO da Sirplaste e vice-presidente da APIP.

Começamos pelo assunto do momento: a pandemia. Como é que esta crise sanitária afetou a atividade dos recicladores e, em concreto, da Sirplaste? Verificaram alguma alteração do fluxo de material ou na procura?

Antes da pandemia, nós já vínhamos a atravessar uma crise. Desde que a China fechou as portas à importação de resíduos de plástico, aquilo que limitava o crescimento da indústria de plásticos na Europa, que era a falta de matéria-prima, deixou de existir. Desde então, houve um ‘boom’ nesta indústria: todas as empresas de reciclagem europeias aumentaram a capacidade e surgiram novos recicladores, alguns deles de grande dimensão, ligados a grandes grupos económicos. Ou seja, a oferta de reciclado aumentou bastante, mas a procura não, o que provocou um abaixamento dos preços.

Isto dito de uma forma genérica, porque há reciclados que são mais caros do que a matéria-prima virgem, como é o caso do PET reciclado de qualidade alimentar. Neste caso, a procura aumentou muito mais do que a oferta, já que esta está limitada pela recolha que se consegue fazer de material descontaminado, nomeadamente de garrafas, que possam ser recicladas com qualidade para contacto alimentar. Nos restantes materiais, isto não acontece.

Fala-se muito da necessidade de aumentar a recolha de materiais, os Governos preocupam-se muito com este tema, mas preocupam-se pouco com em fomentar o mercado para estes reciclados. Se não arranjarmos mercado para os materiais reciclados, podemos fazer a recolha que quisermos que as taxas de reciclagem não vão subir.

A pandemia veio agravar o problema?

Sim, com a pandemia a situação agravou-se porque os preços das matérias-primas virgens baixaram muito, devido à diminuição da procura, e nós tivemos de acompanhar esse abaixamento. Neste momento, há várias empresas de reciclagem em sérias dificuldades.

Na Sirplaste, tivemos uma redução significativa da faturação, mas nunca parámos, nem despedimos ninguém. Pelo contrário, contratámos quadros para a área de I&D para tentar criar novos produtos e, dessa forma, ultrapassar esta crise.

O que é que a indústria pode fazer para tentar inverter a situação?

Nós, os recicladores, precisamos de melhorar a qualidade dos nossos produtos e encontrar materiais que possam ser utilizados em aplicações que, hoje, não usam reciclado. Para tal, temos de investir em investigação e desenvolvimento. O problema é que, neste setor, a maior parte das empresas não tem recursos financeiros e humanos para tal.

Faria sentido, neste caso, uma união de esforços entre as empresas do setor e a academia?

Sim, começamos a assistir a esforços nesse sentido. Por exemplo, a APIP tem, neste momento, um projeto inovador a nível europeu, e creio que mundial, denominado ‘Better Plastics’, que agrega praticamente toda a cadeia de valor dos plásticos a nível nacional - incluindo a maioria das universidades e institutos de investigação, transformadores, distribuidores, produtores de matérias-primas, recicladores – cujo objetivo é aumentar a circularidade dos materiais plásticos. Com a ajuda da academia, procuramos melhorar a qualidade dos materiais, desenvolver novos equipamentos e novas técnicas (reciclagem mecânica, química, termoquímica), de forma a conseguirmos aumentar a integração de reciclado em novos produtos, estabelecendo assim uma verdadeira economia circular.

As atuais instalações da Sirplaste ocupam 30.000 m2 de área coberta

As atuais instalações da Sirplaste ocupam 30.000 m2 de área coberta.

Que medidas poderiam os governos tomar para aumentar a procura de reciclado?

Existem duas possibilidades: uma que depende apenas dos governos e outra que exige uma posição concertada a nível europeu. A primeira passa por cada governo estabelecer, ao nível das compras públicas, uma lista de produtos que, necessariamente, incorporem ou que sejam totalmente produzidos a partir de reciclado, sem qualquer prejuízo para a qualidade ou segurança dos produtos em causa. Essa lista está, aliás, a ser preparada pela APIP na sequência de uma reunião com a Secretária de Estado do Ambiente.

A segunda, passa por todos os governos a nível europeu, e se possível a nível mundial, fazerem o mesmo, neste caso, não apenas para as compras dos Estados, mas para todos os setores. Eu não sou a favor da obrigatoriedade de incorporação de reciclado, mas acho que, se introduzirmos medidas de incentivo, como, por exemplo, uma redução do IVA nos produtos que incorporem determinada quantidade de reciclado, acompanhadas de taxas que penalizem os que não o façam, conseguimos desincentivar o uso exclusivo de matéria-prima virgem. Isto, claro, sempre que seja comprovadamente possível e seguro o uso de reciclado. Creio que a Comissão Europeia está a trabalhar nesse sentido.

Se a procura aumentar, os recicladores portugueses têm capacidade instalada para dar resposta?

Sim, Portugal tem capacidade excedentária. Para mantermos as fábricas a funcionar temos de importar matéria-prima de outros países. Se a procura aumentar, o país está preparado para dar resposta.

Falou há pouco de reciclagem química. É uma área em que Portugal também vai investir?

Sim, há alguns estudos a decorrer nesse sentido, mas, neste momento, temos de ter cuidado quando falamos de reciclagem química. Há alguma confusão no mercado sobre este tema, principalmente entre os designers de embalagem dos grandes grupos de transformação de plásticos, que acham que o processo está muito desenvolvido, e, por isso, acabam por desenhar embalagens prejudiciais para o processo de reciclagem, com o argumento que depois a reciclagem química resolve o problema. Ora, não é isso que acontece. O processo está numa fase muito inicial e, tanto quanto sei, ainda não existe nenhum método de reciclagem química realmente eficaz para os polietilenos e polipropilenos. O único que está relativamente avançado é o do PET. Neste caso, estão a ser feitos investimentos à escala industrial e é previsível que, nos próximos anos, venham a aparecer tecnologias industrializáveis e rentabilizáveis para reciclar quimicamente este material.

Há que referir que, em geral, os projetos de reciclagem química em curso decorrem, essencialmente, de fábricas que foram inicialmente pensadas para produzir combustíveis a partir de plásticos mistos, mas não tiveram sucesso e reconverteram-se para produzir óleos que vendem às petroquímicas, Estas, por seu lado, introduzem esses óleos nos crakers e argumentam que estão a fazer reciclagem química, quando, na verdade, não estão. É um processo de rentabilidade duvidosa, muito dispendioso, que me parece mais uma ação de marketing que outra coisa.

A Sirplaste é, hoje, uma das principais empresas de reciclagem de plásticos a nível europeu. Que fatores contribuíram para o crescimento da empresa?

Creio que o facto de sermos umas das empresas com maior antiguidade no mercado é determinante para o lugar que ocupamos. Mas não só. Tentamos sempre pensar mais à frente, investimos muito em I&D, procuramos constantemente novos mercados e aplicações. Ou seja, nunca nos acomodamos às circunstâncias e isso ajuda-nos a crescer.

Além da atividade empresarial, o Ricardo também faz parte da direção da APIP. Qual é o papel da associação junto da indústria de reciclagem de plásticos?

Nunca a APIP esteve tão focada na reciclagem como agora. Quem esteve no APIP Plastics Summit de 2019 viu que parecia um seminário de reciclagem. Acho que, finalmente, tanto a APIP como as empresas perceberam que, se a indústria não tomar conta dos próprios resíduos, não terá muito futuro, ou, pelo menos, não com a dimensão que tem hoje. Isto é verdade para todos os materiais, mas mais ainda para o plástico, que, pelas suas virtudes e propriedades, pode ser utilizado numa enorme multiplicidade de aplicações.

A capacidade produtiva da empresa ronda as 35.000 toneladas/ano
A capacidade produtiva da empresa ronda as 35.000 toneladas/ano.

O incremento dos biopolímeros, biodegradáveis e compostáveis pode vir a ser um problema para as indústrias de reciclagem?

Neste momento, esses materiais já são um problema grave para as fábricas de reciclagem. A tecnologia existente de recolha, separação e reciclagem de resíduos, não está preparada para os separar ou processar, pelo que são, basicamente, contaminantes do processo. Isso não significa que não tenham lugar no mercado. Têm, com certeza. Mas há que ter o cuidado de não os usar de forma indiscriminada, e evitar que se confundam com outros produtos já existentes, fabricados em plástico tradicional. Se ambos entram na cadeia de reciclagem, nada se aproveita.

Há, portanto, que definir bem o melhor material para cada aplicação…

Sim. Por exemplo, fazer sacos de plástico para compras com matéria-prima biodegradável, nesta fase, é um erro, pois estes acabam muitas vezes por ser reutilizados para guardar objetos ou por ser enviados para reciclagem. Neste caso, a tecnologia que temos hoje dificilmente os vai conseguir separar do restante material, o que irá inutilizar algumas toneladas de material.

Por outro lado, o problema dos biodegradáveis é que cada um se degrada mediante condições muito específicas, o processo não é uniforme. Além disso, existe uma enorme diversidade de tipologias: desde os fotodegradáveis, os solúveis, os biodegradáveis, os compostáveis. Se esses materiais forem colocados no mercado, tem de estar definida uma lista de aplicações e de existir um circuito definido para o final de vida. Além disso, o consumidor tem de ser informado, de forma clara, acerca do destino a dar-lhes.

Desde que estes aspetos estejam bem definidos, há produtos em que faz mais sentido, de facto, usar um biodegradável/compostável. Dou-lhe o exemplo dos cotonetes. Os bastões podem perfeitamente ser feitos desse tipo de material, já que muito dificilmente aparecem nos circuitos de reciclagem. O mesmo acontece com as palhinhas, que, aliás, nem deveriam estar na distribuição (a maior parte das pessoas, felizmente, não precisa de usar palhinhas para beber líquidos, sejam elas de plástico ou de bambu).

Estamos numa fase em que a distribuição e os produtores tendem a apresentar ao mercado produtos que são percebidos pelo consumidor como ‘ecológicos’, mas que, na maior parte das vezes, não são os melhores para o ambiente. É o caso, por exemplo, da substituição dos copos de plástico por papel. Ora, esses copos só funcionam porque têm uma película de plástico. A junção dos dois materiais invalida qualquer tentativa de reciclagem.

Mas, mesmo que estejamos a falar de um produto nonomaterial, para cada aplicação tem de haver uma análise do ciclo de vida que ajude a escolher o melhor material a utilizar. É a única forma de sabermos se substituir um material por outro é melhor ou pior para o ambiente. Ora, isso não está a ser feito. Escolhe-se um material em função daquilo que a opinião pública quer ouvir e não da lógica.

Por outro lado, a própria opinião pública carece de informação. O consumidor só vê o que acontece nos últimos segundos de vida de um produto. Para que possa fazer uma escolha consciente, ele tem de saber o que acontece em todas as fases, desde a extração, à produção e distribuição. Muitas vezes, todo o processo é mais poluente que o produto em si.

Significa que estão a ser feitas substituições erradas de plástico por outos materiais?

Isso está a acontecer por pressão da opinião pública e porque, de facto, existem muitos resíduos plásticos descartados no ambiente. Mas, neste caso, o problema está no comportamento das pessoas, que, por se tratar de um material muito barato e generalizado, não lhe dão valor. Neste aspeto, é urgente tomar medidas. No entanto, não somos fundamentalistas e, se em determinada aplicação fizer mais sentido usar outro material, é isso que deve acontecer.

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Se a indústria não tomar conta dos próprios resíduos, não terá muito futuro.

Os recicladores têm de melhorar a qualidade dos seus produtos e encontrar materiais que possam ser utilizados em aplicações que, hoje, não usam reciclado.

A distribuição e os produtores tendem a apresentar ao mercado produtos que são percebidos pelo consumidor como ‘ecológicos’, mas que, na maior parte das vezes, não são os melhores para o ambiente.

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