Susana Sousa, Investigadora do Instituto de Ciência e Inovação em Engenharia Mecânica e Engenharia Industrial (INEGI) na área dos Materiais e Estruturas Compósitas
07/09/2022A energia eólica é das fontes energéticas renováveis mais utilizada para produção de eletricidade, sendo uma das principais na Europa e inclusive em Portugal 1, 2, 3. Esta fonte energética é vista como sendo sustentável, contudo, possui um impacto ambiental considerável no final da sua vida útil 1, 3, 4. As turbinas eólicas (WT) possuem em média uma vida útil de 20-25 anos 1, 2, 3. Alguns estudos sobre os impactos ambientais da energia eólica, destacam que os resíduos anuais globais das pás atingirão 2,9 Mt até 2050 4. Assim, a gestão de resíduos no final da vida útil (EoL), e os impactos ambientais associados são um desafio emergente deste setor.
As pás fabricadas em Portugal são principalmente constituídas por compósitos de fibra de vidro (GF) com matrizes termoendurecíveis. A não reciclabilidade deste tipo de matriz e o dispendioso processo de separação do polímero do reforço, leva a que estes resíduos sejam geralmente incinerados/depositados em aterros. Contudo, a legislação ambiental é cada vez mais restritiva, não permitindo brevemente que seja este o fim destes resíduos 2, 4, 5, 6, 7.
Por outro lado, o uso de compósitos nos veículos é uma forma de melhorar a sustentabilidade dos transportes, pois as utilizações destes materiais avançados leves melhoram a economia de combustível ao longo de todo o ciclo de vida do produto.
Uma redução de 10% no peso de um automóvel pode representar o aumento de ~2,5% em l/km. Logo, a redução de peso dos veículos representa uma economia considerável em combustível/ energia e redução de emissões 8. A BMW, por exemplo, aumentou a utilização de materiais poliméricos e compósitos na produção dos seus veículos, reduzindo o peso e aumentando a economia de combustível 9. Por sua vez, a Boing tem apostado cada vez mais na utilização de compósitos nas suas aeronaves, como por exemplo o Boeing 787. Cinquenta por cento do peso deste veículo consiste em materiais compósitos em fibra de vidro e em fibra de carbono (32 tons de polímeros reforçados com fibra de carbono feitos com 23 tons de fibra de carbono). Além de ter conseguido reduzir o peso dos seus aviões, também conseguiu aumentar a resistência à corrosão e tolerância a danos por fadiga. Este veículo passou a ser 20% mais eficiente em termos de combustível, produzindo menos 20% de emissões 10, 11. Porém, o compósito nos veículos tem uma durabilidade média de 20 anos, sendo necessário também pensar no que fazer no final de vida destes materiais 12.
Atualmente, a reciclagem de compósitos pode ser realizada através de processos de pirólise, solvólise e mecânicos. A reciclagem de fibras de carbono é bastante atrativa devido aos custos competitivos e às propriedades alcançadas. Por exemplo, de forma a desenvolver veículos mais sustentáveis, e sendo o BMW Group e a Boeing pioneiros na utilização de compósitos, mais precisamente em CFRP (polímeros reforçados com fibra de carbono), estas duas empresas desenvolveram uma parceria, para reciclar e reutilizar os componentes de fibra de carbono 12.
Todavia, devido ao baixo custo da fibra de vidro (GF), o método mecânico é o mais comum e vantajoso para compósitos de GF em larga escala, obtendo-se partículas trituradas que podem ser usadas como reforço em novos materiais 5, 6, 7, 13, 14. A utilização deste material reaproveitado possui duas grandes barreiras: elevado custo das operações de reaproveitamento e número limitado de aplicações no mercado.
Assim, é necessário encontrar estratégias eficientes de reaproveitamento, que permitam melhorar a sustentabilidade global do setor eólico. A falta de informação acerca das propriedades residuais das pás no seu fim de vida torna difícil a identificação de potenciais formas da sua reutilização. De forma a maximizar o valor das pás em EoL para uma aplicação futura, é necessário minimizar a sua degradação, aplicando-as de forma quase direta com outra funcionalidade. Até à data, apenas foram relatados estudos conceptuais de reaproveitamento das pás para o setor de construção civil, no entanto, não foram validadas experimentalmente, nem analisadas as suas propriedades ao fogo, nem verificada a segurança relativamente à saúde humana, que são algumas das principais desvantagens dos materiais de matriz polimérica 6, 8, 9, 15, 16.
Tendo consciência destas dificuldades por parte da indústria, o Instituto de Ciência e Inovação em Engenharia Mecânica e Engenharia Industrial (INEGI) tem vindo a desenvolver soluções associadas à reciclabilidade e reutilização de materiais avançados leves com propriedades excecionais, assim como os respetivos processos a serem mais eficientes e sustentáveis.
Para tal, têm vindo a ser criados produtos de elevado desempenho, ajudando as empresas a inovar e industrializar, reduzindo custos de produção e melhorando os seus produtos. A neutralidade carbónica é um compromisso por parte de todos, por isso agir com responsabilidade e promover plenamente a modernização de forma sustentável é um dos objetivos do INEGI.
O INEGI é atualmente um dos parceiros do EuReComp, um projeto europeu que visa criar métodos sustentáveis para da reciclagem e reutilização de materiais compósitos em fim-de-vida, especialmente os que derivam de componentes de grandes dimensões usados em indústrias como aeronáutica, automóvel e energia eólica.
No projeto ReCAP, de âmbito nacional nacional, o INEGI objetiva a redução de peso e custo associado ao fabrico de componentes aeronáuticos, implementando um plano de ação inovador. Foca-se no desenvolvimento sustentável (com o objetivo do 'resíduo zero') e competitivo (por exploração de tecnologias de elevada cadência produtiva), através da reincorporação de resíduos de compósitos de fibra de carbono.
Deste modo, o INEGI propõe-se a desenvolver e validar novas metodologias para a (re)utilização de resíduos de compósitos, com o intuito de serem usados como uma matéria-prima noutros setores, criando uma solução sustentável, acessível, segura e inovadora. Pretende-se transformar as áreas urbanas, e não só, tornando-as mais eficientes, assim como contribuir para os objetivos da Comissão Europeia de redução dos níveis de emissão de CO2 até 2050.
Referências
interplast.pt
InterPLAST - Informação profissional para a indústria de plásticos portuguesa