Portugal é, desde 2019, o maior produtor europeu de bicicletas
Parque de bicicletas elétricas urbanas, em Lisboa.
Portugal tem mais de um século de história no fabrico de bicicletas. As primeiras ‘Vilar’ foram construídas na íntegra, em 1922, pela portuense Vilarinho e Moura Lda., também conhecida por Fábrica Nacional de Bicicletas (FNB).
Apoiado por uma forte indústria metalomecânica, o setor ganhou força depois da Segunda Guerra Mundial, com diversas empresas europeias a deslocalizar as suas unidades para Portugal, onde os custos de produção eram significativamente mais baixos. Mais tarde, o boom da industrialização dos países asiáticos levou muitas dessas empresas a abandonar o país.
Apesar disso, o setor manteve a sua atividade e, em 2013, uma iniciativa da Associação Nacional das Indústrias de Duas Rodas (Abimota), o projeto Bike Value Portugal, ajudou os fabricantes nacionais de bicicletas e de componentes a posicionarem-se internacionalmente como um cluster de excelência, alavancado pela elevada qualidade dos seus produtos.
Nos últimos anos, a crescente consciência ecológica dos europeus, aliada aos constrangimentos nas cadeias de abastecimento provocados pela pandemia, fez aumentar a procura de bicicletas feitas na Europa. E Portugal estava bem posicionado para dar resposta. Resultado: entre 2015 e 2022, o setor conseguiu aumentar as exportações de 280 para 800 milhões de euros.
O setor das duas rodas emprega atualmente cerca de 8000 trabalhadores
Hoje, o País orgulha-se de ter a primeira fábrica do mundo a produzir quadros de bicicleta em alumínio de forma robotizada, a Triangle’s, de Águeda; o maior produtor europeu de rodas, a Rodi, de Aveiro; o maior fabricante europeu de correntes para bicicletas, a Sramport, de Coimbra; uma das mais inovadoras empresas europeias do setor, especialista em cranks para bicicletas, a Miranda, de Águeda; a líder mundial no fabrico de cadeiras de transporte para bebés, a Polisport, da Carregosa; a maior fábrica de montagem de bicicletas da Europa, a RTE, de Vila Nova de Gaia; e a primeira fábrica europeia de quadros para bicicleta feitos em fibra de carbono, a Carbon Team, de Vouzela, com uma capacidade de produção instalada de 55 mil quadros por ano.
Uma nota adicional para a mais recente adição ao setor, a Bikap, criada em 2022 para montar essencialmente bicicletas elétricas. A nova fábrica, instalada em Anadia, tem uma capacidade de produção inicial de 50 mil unidades por ano e é totalmente alimentada por energia solar.
No final de 2021, um consorcio composto por 34 empresas do setor, quatro instituições académicas (Universidades de Aveiro, Universidade de Coimbra, INEGI e PIEP) e uma associação (Abimota) viu aprovada a Agenda Mobilizadora para a Inovação Empresarial do Setor das 2 Rodas (AM2R), integrada no Plano de Recuperação e Resiliência.
Liderada pela Polisport, a AM2R contempla 64 projetos, num investimento superior a 210 milhões de euros, cujo objetivo global é diversificar a estrutura produtiva de produtos e serviços deste setor. Esta iniciativa deverá dar origem a novos modelos de bicicletas; novos materiais para o fabrico de componentes inovadores; processos de fabrico mais sustentáveis em consumo energético e pegada carbónica; maior eficiência da cadeia logística do setor através de introdução de tecnologias digitais e automação. Além disso, o consórcio pretende reforçar a criação de emprego qualificado, aumentar o peso das exportações do setor e diminuir a dependência de fornecedores externos.
Para apoiar estes objetivos, foi criada a associação Bike Value Innovation Center (Bikinnov), cuja principal competência será gerir o Centro de Interface Tecnológico, um espaço equipado com tecnologia de ponta para ajudar as empresas do setor nos seus processos de inovação.
De acordo com a consultora Precedence Research, em 2021 o mercado global das bicicletas elétricas foi avaliado em cerca de 16 mil milhões de euros e espera-se que atinja mais de 38 mil milhões de euros até 2030, com uma taxa de crescimento anual composta (CAGR) de 9,6% entre 2021 e 2030. Na Europa este é, de resto, o segmento mais dinâmico. Segundo a Confederação da Indústria Europeia de Bicicletas (CONEBI), em 2021, dos 22 milhões de bicicletas vendidas na Europa, cinco milhões eram elétricas.
Não falamos apenas de ‘e-bikes’, mas também das ‘cargo bikes’, bicicletas que incluem um elemento para transporte de carga. Para os puristas, uma bicicleta é uma bicicleta, não uma espécie de carro com duas rodas. Mas existe um público tradicionalmente não utilizador de bicicletas, para o qual um meio de transporte individual que lhes dê comodidade, sem pesar na carteira, pode ser uma solução. Assim se instalem as infraestruturas de parqueamento e carregamento necessárias. No Cento e Norte da Europa, as ‘cargo bikes’ são já uma realidade, utilizadas principalmente por empresas para deslocações de curta duração.
A tendência de crescimento do segmento elétrico é uma boa notícia para a indústria metalomecânica portuguesa, mais precisamente para os fabricantes de estruturas metálicas soldadas, quer se trate de tubo, perfil ou chapa. De facto, a soldadura é um processo crucial em qualquer bicicleta, mas assume relevância adicional nas elétricas, mais pesadas por causa das baterias. Para compensar, os fabricantes procuram quadros mais leves que os tradicionais, em aço. As soluções mais interessantes são a fibra de carbono e, nos metais, o titânio e o alumínio. No entanto, soldar estes materiais não é tarefa fácil e exige equipamento de corte e soldadura adequados. Em ambos os casos, a tecnologia laser, mais precisa, pode ser uma boa alternativa.
Naturalmente, estas novas estruturas têm também novos critérios a cumprir, nomeadamente de segurança elétrica. Gil Nadais, secretário geral da Abimota, lembra que a associação “disponibiliza um laboratório de testes elétricos e de compatibilidade eletromagnética (em colaboração com outras entidades) que garante a conformidade das peças que vão para o mercado”.
A evolução do mercado das bicicletas obrigou a maior parte dos fabricantes de peças metálicas para este segmento a modernizar as suas unidades produtivas, de forma a garantir não só a qualidade dos produtos, como também a quantidade exigida para responder à procura. A adoção de processos como a soldadura robotizada ou a impressão 3D de peças com geometrias complexas são alguns dos exemplos que podemos encontrar hoje nas fábricas nacionais. Mas, além destes, existem muitas outras tecnologias envolvidas na produção moderna de uma bicicleta.
Tomemos como exemplo a produção dos quadros, onde o corte a laser de tubo e chapa é cada vez mais utilizado. Os equipamentos atualmente disponíveis no mercado, altamente eficientes e precisos, oferecem tolerâncias muito baixas que, por seu lado, garantem soldaduras perfeitas em diversos materiais.
Por outro lado, também o processo de curvatura de perfil ou a conformação de tubo e arame é hoje mais eficiente, graças às máquinas que o realizam de forma automática e rápida.
A estes, acresce a estampagem e a tradicional maquinação CNC (fresagem ou torneamento), essencial para garantir as dimensões pré-definidas de cada peça do quadro antes do processo de soldadura. Esta, por seu lado, pode ser robotizada ou manual. A tecnologia escolhida (MIG/MAG, TIG, brasagem, plasma ou laser, por exemplo), vai depender dos requisitos técnicos do projeto, dos volumes de produção e, claro, do material.
Depois de soldados, os quadros são sujeitos a tratamento de superfície - e, eventualmente, térmico –, pintados e submetidos a controlo de qualidade para garantir a conformidade da geometria final e, por exemplo, dos cordões de soldadura.
À capacidade instalada em território nacional, junta-se a vontade política de fazer deste setor uma bandeira da reindustrialização verde da Europa.
Na sessão plenária de 16 de fevereiro de 2023, pela primeira vez, o Parlamento Europeu adotou uma resolução que visa duplicar o uso de bicicletas na Europa até 2030. Os deputados reconheceram que, no caminho para a neutralidade carbónica, é "urgente e necessário" oferecer mais apoio à indústria de bicicletas, que se pode traduzir em financiamento de projetos de I&D&I, na diminuição generalizada do IVA das bicicletas por toda a Europa e no desenvolvimento de infraestruturas adequadas como ciclovias, parques dedicados a este tipo de transporte e postos de carregamento para as elétricas. Além disso, os países da UE serão incentivados a aumentar os apoios dados às populações para a compra de bicicletas.
Em declarações à imprensa internacional, Manuel Marsilio, diretor geral da CONEBI, assegura que "esta é uma oportunidade histórica para o crescimento do setor e um claro reconhecimento do seu papel crucial no ecossistema da mobilidade, dentro da estratégia industrial da UE”. Para as empresas portuguesas das duas rodas, esta pode ser uma das melhores notícias dos últimos tempos.
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