Ana Pires, Cátia Guarda, João Caseiro
Centro Tecnológico da Indústria de Moldes, Ferramentas Especiais e Plásticos (CENTIMFE)
18/11/2024Os plásticos são amplamente reconhecidos como materiais versáteis na economia moderna. Graças às suas excelentes propriedades físico-químicas, leveza, durabilidade, disponibilidade, flexibilidade e baixo custo, tornaram-se uma escolha fundamental em vários setores, incluindo embalagens, têxteis, construção, aplicações médicas, eletrónica e aeronáutica (4, 6).
De acordo com Statista (2023), a produção global anual de plástico deverá atingir 700 milhões de toneladas até 2060. Nas últimas décadas, os plásticos sintéticos têm sido excessivamente utilizados. Além disso, a baixa taxa de reciclagem de aproximadamente 10% ao ano (5) contribui para a dispersão dos plásticos no ambiente, o que, aliado à sua inerente persistência, longevidade e transporte de longa distância, tem originado poluição e provocado danos nos ecossistemas, tanto terrestres como marinhos.
Por seu lado, o combate à poluição por plástico tem levado ao desenvolvimento de plásticos sustentáveis, i.e., plásticos derivados de resíduos reciclados, recursos renováveis e matérias-primas de baixo carbono que, no final da sua vida útil, podem ser reciclados, biodegradados, compostados ou eliminados com o menor impacte ambiental possível e máxima circularidade (2). Para além da sua sustentabilidade ambiental, estes materiais devem também ser competitivos em relação às soluções já existentes, tanto em termos de custo como das suas propriedades. Garantir a sustentabilidade e a eficiência ao longo de toda a cadeia de abastecimento, conceber materiais para reutilização e desenvolver processos de reciclagem amigos do ambiente no final de vida de um produto plástico são também desafios que têm de ser ultrapassados, para introduzir os polímeros sustentáveis num mercado mais vasto (3).
Produzir plásticos sustentáveis é difícil e demora muito tempo até se alcançarem os resultados pretendidos. Por isso, muitos investigadores têm vindo a explorar tecnologias como a Inteligência Artificial (IA) e, em particular, a Aprendizagem Automática (também designada como Aprendizagem Computacional, com origem no termo inglês Machine Learning), uma subárea da IA que utiliza algoritmos capazes de capturar padrões em dados sem terem de ser programados de forma explicita. A implementação de ferramentas de Aprendizagem Automática segue quatro etapas (1):
De todas as etapas, a maior dificuldade reside na escolha do modelo (ou algoritmo) de Aprendizagem Automática a ser utilizado e respetivo treino. A sua escolha está dependente do tipo de problema que se pretende resolver.
Atualmente, a Aprendizagem Automática é aplicada em todas as etapas do ciclo de vida dos plásticos sustentáveis, desde a formulação e produção do polímero, passando pela sua aplicação no fabrico de produtos e, finalmente, na etapa de fim de vida. Numa perspetiva mais abrangente, a Aprendizagem Automática apresenta também aplicações na quantificação de impactes ambientais, permitindo a tomada de decisões informadas e uma gestão de recursos mais eficiente (Figura 1).
Na etapa de conceção e desenvolvimento de novos polímeros, a Aprendizagem Automática é utilizada para explorar o espaço químico dos polímeros e identificar formulações que melhor respondam aos requisitos impostos, podendo estes estar relacionados, por exemplo, com propriedades mecânicas ou biodegradabilidade. Esta abordagem minimiza os ensaios por tentativa-e-erro, permitindo acelerar o desenvolvimento destes materiais e reduzindo custos.
No que respeita ao processamento de polímeros, a Aprendizagem Automática é utilizada para otimização de várias etapas dos processos que compõem os estágios de uma biorefinaria e para prever e otimizar processos de extração de matérias-primas e materiais auxiliares com menor impacte ambiental. Isto conduz a uma redução de consumos energéticos e do número de ensaios realizados, o que, consequentemente, minimiza a quantidade de produtos químicos utilizados e os resíduos produzidos, incluindo os resíduos perigosos.
Na etapa de fabrico de produtos, a Aprendizagem Automática é utilizada para controlo do processo (avaliação de defeitos, previsão da qualidade, definição de parâmetros ótimos), controlo da qualidade e previsão das propriedades do material após processamento. Daqui advêm benefícios como redução de consumo energético e de geração de resíduos, promovendo um uso otimizado dos materiais.
No fim-de-vida dos produtos, a Aprendizagem Automática tem um papel essencial na automatização de sistemas de triagem de resíduos, resultando numa separação mais precisa e de melhor qualidade. A Aprendizagem Automática apresenta vantagens significativas no reconhecimento de imagem e processamento de dados, permitindo extrair as características dos plásticos e classificá-los de forma precisa. Por outro lado, a Aprendizagem Automática também tem sido aplicada para prever a eficiência de enzimas na degradação dos plásticos, permitindo melhorar o desempenho deste tipo de abordagens para reciclagem.
A Avaliação do Ciclo de Vida (ACV) é uma metodologia para avaliar o potencial impacte ambiental de um plástico ao longo de todo o seu ciclo de vida. A Aprendizagem Automática pode ser utilizada em conjunto com ACV para gerar inventários do ciclo de vida, determinar fatores de caracterização, estimar impactes e auxiliar na interpretação do ciclo de vida.
A integração de Aprendizagem Automática na indústria dos plásticos deu início a uma nova era de inovação, eficiência e sustentabilidade. Como descrito acima, este salto tecnológico abrange várias facetas da indústria, com claras vantagens: acelera a descoberta de polímeros inovadores, promove uma compreensão das propriedades dos materiais baseada em dados, oferece capacidades preditivas melhoradas, melhora a eficiência dos recursos e incentiva a sustentabilidade ao promover a utilização de materiais residuais. No entanto, existem alguns desafios que devem ser ultrapassados.
De um modo geral, os algoritmos de Aprendizagem Automática requerem volumes substanciais de dados de qualidade. Estes dados precisam de ser pré-processados e rotulados antes de treinar os algoritmos, sendo este processo dispendioso devido ao tempo e conhecimento especializado necessários. Apesar dos benefícios e oportunidades da Aprendizagem Automática na utilização de dados, subsistem preocupações relativamente ao acesso e confidencialidade dos dados. Muitas indústrias geram e recolhem uma grande quantidade de dados, mas não dispõem dos recursos humanos especializados necessários para tirar partido desta informação.
Dependendo dos dados e do problema em análise, pode ser necessário utilizar modelos de Aprendizagem Automática complexos, o que pode levar a dificuldades na interpretação e explicabilidade do modelo, i.e., perceber a razão pela qual o algoritmo chegou a um dado resultado. A explicabilidade dos modelos é crucial para extrair conhecimento relevante dos processos, bem como para fornecer informações aos diferentes stakeholders. Se o modelo de machine learning não for interpretável, pode ser difícil de validar e melhorar.
Um dos obstáculos ao aumento da utilização da Aprendizagem Automática é a falta de ferramentas, métodos ou abordagens que possam ajudar na escolha de algoritmos e na interpretação dos resultados alcançados, especialmente por utilizadores que não são especialistas na área da IA.
Por último, devem também ser considerados os custos e os impactes ambientais do treino dos modelos de Aprendizagem Automática. O tratamento de dados, o poder computacional para treino e utilização dos modelos e a iteratividade de todo o processo representa um consumo de energia que deve ser medido e quantificado, para que o processo de Aprendizagem Automática seja cada vez mais eficiente e útil.
Embora a Aprendizagem Automática tenha o potencial de aumentar a sustentabilidade dos polímeros, a concretização deste potencial pode exigir o desenvolvimento de ferramentas específicas para os setores onde o plástico é produzido ou onde é utilizado. Também será necessário que as ferramentas sejam de fácil utilização para não especialistas e que sejam capazes de lidar com a escassez de dados (em quantidade e qualidade). Através destes esforços, a Aprendizagem Automática pode contribuir significativamente para o desenvolvimento e otimização de polímeros sustentáveis, promovendo, em última análise, uma indústria de plásticos mais sustentável ambientalmente.
Referências
interplast.pt
InterPLAST - Informação profissional para a indústria de plásticos portuguesa