Num momento em que a União Europeia procura redesenhar os alicerces da sua estratégia industrial para responder aos desafios climáticos, tecnológicos e geopolíticos, a Associação Portuguesa da Indústria dos Plásticos (APIP) promoveu, no passado dia 26 de maio, o workshop ‘(Re)Alinhar a Indústria com o Futuro: A Nova Geoestratégia Europeia para uma Indústria Limpa, Circular e Competitiva’. A iniciativa teve lugar na Câmara de Comércio e Indústria Portuguesa (CCIP), em Lisboa, e reuniu representantes do setor, associações, decisores políticos e especialistas técnicos num espaço de reflexão e análise crítica sobre o rumo da política industrial europeia.
O orador convidado foi Paulo da Silva Lemos, Conselheiro Técnico da Representação Permanente de Portugal junto da União Europeia (REPER), com um longo percurso ligado às políticas ambientais e industriais europeias.
O workshop centrou-se na nova agenda para uma indústria europeia mais limpa, circular e resiliente, abordando os principais instrumentos políticos atualmente em desenvolvimento ou discussão na Comissão Europeia. Mais do que elencar regulamentação, a sessão procurou fomentar um debate franco sobre a competitividade, os obstáculos burocráticos, a velocidade de resposta da UE face a outros blocos económicos e o papel da indústria portuguesa neste novo quadro.
Durante o workshop, foi traçado o panorama da atual reconfiguração da política industrial europeia, essencialmente em torno de dois eixos centrais: a indústria limpa e descarbonizada e a economia circular. Ambos os eixos estão a ser moldados por um conjunto alargado de iniciativas legislativas em curso.
Um dos pilares mais relevantes é o Pacote Omnibus (ainda em negociação), anunciado pela Comissão Europeia em novembro de 2024, que visa reduzir significativamente os encargos administrativos associados às obrigações de reporte em matéria de sustentabilidade e a simplificação da taxonomia.
No domínio do Mecanismo de Ajustamento Carbónico Fronteiriço (CBAM), discutem-se ajustamentos destinados a mitigar os impactos nos operadores económicos, prevendo, por exemplo, um alargamento do período de transição e a simplificação das obrigações de reporte.
Em fevereiro de 2025 foi apresentado o Pacto para a Indústria Limpa, um documento orientador que pretende conjugar os objetivos de descarbonização com a necessidade de manter a competitividade industrial da Europa. Entre as propostas concretas destaca-se o lançamento de um Banco da Descarbonização Industrial, com um envelope financeiro superior a 100 mil milhões de euros, destinado a facilitar o investimento em tecnologias limpas.
A economia circular surge como eixo estrutural da nova agenda industrial, com várias propostas em fase avançada de preparação. Um dos instrumentos mais aguardados é o Futuro Ato Legislativo sobre a Economia Circular, previsto para 2026, que visa eliminar barreiras à circulação de materiais reciclados e criar um mercado único de matérias-primas secundárias.
No plano setorial, a Comissão prepara ainda planos de ação específicos para indústrias estratégicas.
A apresentação concluiu com referência à Diretiva Green Claims (em negociação), que pretende regulamentar as alegações ambientais feitas pelas empresas, exigindo que sejam fundamentadas por metodologias científicas robustas, para combater o chamado ‘greenwashing’.
O workshop revelou-se um espaço de confronto construtivo entre representantes da indústria e o orador convidado.
Uma das mensagens mais recorrentes foi o apelo à simplificação. Representantes da indústria e de associações setoriais partilharam experiências em que a transposição da legislação europeia para o contexto nacional acabava por tornar-se ainda mais onerosa, criando “camadas adicionais” de exigência e reduzindo a competitividade das empresas portuguesas. Paulo Lemos reconheceu o problema, sublinhando que, muitas vezes, “a solução que se encontra quando as negociações são complicadas é através dos atos delegados”, os quais, por vezes, criam obstáculos inesperados à aplicação da legislação.
Também foi abordada a dificuldade de participação nas fases iniciais dos processos legislativos. Vários intervenientes referiram que as consultas públicas europeias são complexas e pouco acessíveis à maioria das empresas. Como foi referido, “as perguntas são tão densas e técnicas que muitos nem conseguem responder”. Paulo Lemos sugeriu que as associações reforcem a ligação com os organismos nacionais com competência negocial, frisando que “há sempre uma entidade nacional com a 'lead' da negociação” e que é fundamental identificá-la e estabelecer diálogo direto.
Outro ponto destacado foi a falta de previsibilidade nos processos legislativos europeus e na respetiva implementação em Portugal. Representantes associativos referiram que, por vezes, a indústria só tem conhecimento de medidas concretas numa fase já avançada, quando “as cartas estão praticamente todas jogadas”. A ausência de mecanismos regulares de acompanhamento técnico foi apontada como uma lacuna crítica, especialmente para as pequenas e médias empresas. Foi sugerida a criação de fóruns nacionais de acompanhamento contínuo das iniciativas europeias, com reuniões regulares entre representantes setoriais e organismos da administração, para reforçar a capacidade de resposta do tecido empresarial.
A complexidade da linguagem usada nas consultas públicas europeias foi igualmente criticada. Alguns participantes notaram que “a maior parte das empresas não tem técnicos capazes de responder” e que a densidade dos formulários inviabiliza a participação efetiva. Propuseram-se soluções como a simplificação dos questionários, o uso de linguagem mais clara e a criação de ferramentas de apoio à interpretação técnica, geridas por associações setoriais. A mensagem foi clara: sem uma comunicação mais acessível, a participação continuará limitada e desigual.
A representatividade nos processos decisórios foi outro tema crítico. Um representante associativo criticou a excessiva centralização na Confederação Empresarial de Portugal (CIP), defendendo que outras entidades relevantes não devem ser excluídas por razões financeiras ou formais. A proposta, partilhada por vários intervenientes, passa por “construir um modelo nacional de coordenação mais eficaz”, que permita uma articulação mais eficiente entre indústria, associações e administração pública.
O debate não se ficou pelas dificuldades. A audiência procurou também identificar caminhos práticos para acelerar a adaptação das empresas às novas exigências europeias, nomeadamente na digitalização, economia circular e responsabilidade ambiental. Paulo Lemos reforçou que a Comissão Europeia está consciente da necessidade de “facilitar a aplicação da legislação”, com medidas como o adiamento dos prazos de reporte e a flexibilização da 'due diligence'. Acrescentou ainda que estão a ser criados instrumentos financeiros de apoio, como o Banco da Descarbonização Industrial, e que será essencial “manter a base produtiva industrial na Europa” como fator de autonomia estratégica.
Por fim, houve consenso em torno de uma questão estrutural: a erosão da autonomia industrial europeia. Paulo Lemos alertou que “uma grande percentagem das baterias dos automóveis é hoje produzida na China”, ilustrando uma preocupante tendência de deslocalização de capacidades críticas. A audiência reagiu com inquietação à constatação de que a Europa poderá estar a acelerar a transição verde sem garantir uma base produtiva industrial sólida. A necessidade de conjugar ambição climática com políticas industriais robustas - e viáveis - foi uma das ideias centrais do debate.
Num tom mais abrangente, o workshop evidenciou um consenso alargado: o futuro da indústria europeia exige menos burocracia, mais clareza e maior proximidade entre Bruxelas e o terreno.
No encerramento, ficou a perceção de que a indústria nacional está disponível para o desafio - mas quer ser ouvida, respeitada e envolvida de forma mais ativa e transparente no desenho do seu próprio futuro.
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