Dos 106 mil milhões de toneladas de materiais utilizados anualmente pela economia global, apenas 6,9% têm origem em fontes recicladas, segundo o Circularity Gap Report 20251. Este valor representa uma redução de 2,2% face a 2015, evidenciando um retrocesso preocupante na transição para uma economia mais circular.
Embora a utilização de materiais reciclados tenha aumentado em cerca de 200 milhões de toneladas entre 2018 e 20212, esse progresso foi insuficiente para compensar o crescimento acelerado do consumo global de materiais, anulando, assim, os ganhos ambientais associados.
Na União Europeia, o cenário é relativamente mais favorável: a taxa de utilização de materiais reciclados atinge os 11,8%3. No entanto, esta média esconde disparidades significativas entre os Estados-Membros. Em Portugal a taxa é de apenas 2,8%, um valor que contrasta fortemente com o dos Países Baixos, que lidera com 30,6%4.
A Comissão Europeia definiu a meta de duplicar a taxa de utilização de materiais reciclados até 2030, conforme estipulado no Plano de Ação para a Economia Circular5. Contudo, entre 2020 e 2023, esta taxa aumentou apenas 0,6%4, revelando um ritmo de progresso claramente insuficiente.
Importa referir que, mesmo sem qualquer redução no consumo de materiais, se todos os materiais tecnicamente recicláveis fossem efetivamente reciclados, a taxa de circularidade global poderia atingir os 25%1.
Quando se aborda o conceito de economia circular, é fundamental compreender que este não se restringe à simples utilização de materiais reciclados. Trata-se de um modelo abrangente que visa, simultaneamente, reduzir o consumo de recursos naturais, maximizar a durabilidade dos produtos e minimizar a produção de resíduos. A circularidade envolve uma forte componente estratégica com a transformação das fases iniciais da cadeia produtiva, promovendo a reutilização e a regeneração dos sistemas naturais.
A União Europeia tem vindo a desenvolver uma abordagem estruturada e ambiciosa para a economia circular, destacando-se o já referido Plano de Ação para a Economia Circular, de 2020, inserido no Pacto Ecológico Europeu. Este plano visa promover, entre outros aspetos, o ecodesign, a reutilização, a reciclagem ou a redução da produção de resíduos em setores como a eletrónica, as embalagens, os têxteis ou a construção5.
Em Portugal, o Plano de Ação para a Economia Circular em Portugal (PAEC 2017-2020) constituiu um passo inicial, aguardando-se com expectativa a publicação do novo PAEC. A existência de um enquadramento estratégico e regulamentar claro, suportado em metas vinculativas e em incentivos fiscais e financeiros à circularidade, afigura-se fundamental para impulsionar a adoção efetiva pelas organizações.
A crescente relevância do tema da economia circular já motivou a publicação de normas internacionais específicas, nomeadamente a nova família ISO 59000, publicada em 2024. Em particular, destaca-se a ISO 59004 que estabelece os princípios fundamentais, a terminologia e o modelo de referência da economia circular, oferecendo um enquadramento técnico para as organizações6. O surgimento destas normas demonstra que a circularidade deixou de ser uma abordagem acessória, passando a ser entendida como uma exigência prática e mensurável para a transformação dos modelos económicos a nível global.
Neste contexto, o eCIRCULAR - Sistema de Classificação em Economia Circular, desenvolvido pela ADENE, surge como uma resposta concreta e pragmática às exigências crescentes de avaliação da circularidade nas organizações. Aplicável a qualquer organização em Portugal, independentemente da sua dimensão ou setor de atividade, o eCIRCULAR é uma ferramenta simples e ágil, que permite obter uma visão objetiva do desempenho circular da organização.
Ao possibilitar uma avaliação estruturada e padronizada, o eCIRCULAR traduz, na prática, os princípios definidos pelos documentos estratégicos da União Europeia. Através da realização de uma auditoria conduzida por técnicos qualificados, as organizações obtêm uma classificação de F a A+, acompanhada de uma proposta de medidas de melhoria concretas.
Ana Seco, técnica especialista da área água e circularidade, Direção de Sustentabilidade e Mobilidade da ADENE.
Mais do que um sistema de classificação, o eCIRCULAR constitui uma ferramenta estratégica de orientação, permitindo às organizações planear uma transição faseada e alinhada com os objetivos da economia circular. Ao identificar oportunidades de melhoria concretas e promover uma reflexão sobre os processos e práticas existentes, o sistema apoia as organizações na definição de uma trajetória clara rumo à circularidade. Esta abordagem contribui não só para a minimização do impacte ambiental, mas também para uma gestão mais eficiente dos recursos e para a redução dos custos operacionais.
Nos dois primeiros anos de operação, foram classificadas 70 organizações, dois terços das quais com uma classificação de B ou C, o que indica um percurso iniciado rumo à circularidade, embora com margem de progressão. Embora o sistema possa ser aplicado desde microempresas até grandes organizações, são sobretudo as de dimensão superior que têm demonstrado maior interesse na sua aplicação. Do ponto de vista setorial, a indústria assume particular relevância, representando cerca de metade das avaliações realizadas, o que evidencia o seu elevado potencial de circularidade.
Como resultado das auditorias realizadas, foram já propostas mais de quinhentas medidas de melhoria, organizadas em quatro áreas-chave: água, energia, materiais e estratégias. Com a implementação das medidas a curto prazo (num horizonte de três anos), grande parte das organizações aderentes ao sistema poderá alcançar a classe B ou A. Numa perspetiva de longo prazo, a classe A ou A+ torna-se viável, reforçando o papel do eCIRCULAR como catalisador da transição para uma economia mais circular.
Neste contexto, alcançar a meta definida pela União Europeia (duplicar a taxa de utilização de materiais reciclados até 2030) não é apenas uma ambição política, mas sim uma exigência concreta perante os limites ecológicos do planeta e a insustentabilidade do modelo económico atual. A meio do percurso temporal definido, os progressos continuam insuficientes face à dimensão do desafio.
A economia circular não deve, assim, ser encarada como uma opção acessória ou um mero exercício de reputação corporativa. Trata-se de uma mudança estrutural que exige repensar os modos de produção e a gestão de recursos. Ao colocar a circularidade no centro das decisões estratégicas, as organizações não só reduzem custos e riscos, como também se posicionam como líderes de inovação e sustentabilidade num mercado cada vez mais exigente.
O desafio agora é o de acelerar a implementação, com metas ambiciosas e vinculativas, políticas coerentes e uma vontade real de mudança. Neste contexto, ferramentas como o eCIRCULAR assumem um papel crucial: são guias práticos que permitem transformar a teoria em ação, impulsionando uma transição que já não pode esperar.
A economia circular não é uma tendência passageira, nem uma mera visão para o futuro. É sim o presente que temos de concretizar com urgência.
1Circularity Gap Report 2025
2Circle Economy - Global circularity rate fell to 6.9%
3European Environment Agency's | Circular material use rate in Europe
4Eurostat | Circular material use rate
5EUR-Lex - 52020DC0098
6ISO 59004:2024 - Circular economy
Quer fazer parte desta transição? Descubra como em:
ecircular.adene.pt
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Saiba também como se pode tornar um Gestor ou Auditor eCIRCULAR em:
academia.adene.pt/auditores-ecircular-classificacao-em-economia-circular
interplast.pt
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